segunda-feira, 16 de julho de 2012

Cronica da nossa vida privada, por Marli Goncalves

Crônica da nossa vida privada, por Marli Gonçalves

Essa gente não tem mais nada o que fazer senão andar por aí, querendo proibir as coisas da vida privada? Um assunto que precisa ser discutido: tem governo, instituições e até ONGs querendo demais comandar nossas vidas, como se nada mais houvesse para ser feito. Fora! Sai para lá! Vai se meter na vida do *&%$#@*! A vida é nossa, ninguém tasca! Você pode até mandar, mas só obedeço se quiser! É proibido proibir!

Todos os dias a gente fica sabendo de mais uma coisa que não pode. Ou não pode mais. Não pode para eles, porque a verdade verdadeira é que andam se metendo - ou melhor, tentando se enfiar, mandar, regrar, controlar e o escambau - de forma assustadora em nossas vidas privadas e é preciso ficar e estar atento e forte. Até nossas crianças parece que viraram florzinhas delicadas que "precisam ser protegidas", como alegam, e não podem ver isso, aquilo, comer isso ou aquilo, que só eles sabem o que é bom. Parece paulada. Isso não é nada bom.

Repara. É multa, advertência, reprovação, ação de censura, proibição, regulagem e veto para tudo quanto é lado. Dos Poderes. Dos chefes de rebanhos. Dos cospem-regras. Desse jeito, ganhamos muito mais do que um Grande Irmão, como diria Orwell. Ganhamos um Grande Pai. Onipresentes, estão "cuidando de nós", desculpam-se, paternalistas, controladores. E extremamente rígidos. Um perigo. Começa assim: primeiro passam a mão na cabeça, fazem cosquinha, bonzinhos e politicamente corretos. Quem já viveu sabe onde isso pode dar e o beco é escuro; escuro e sem saída.

Quer ver? Parece que todo mundo é burro, não distingue certo ou errado, precisa da opinião alheia, não sabe decidir, educar os filhos e muito menos ser dono do próprio nariz ou empresa, nem na propaganda. A Anvisa resolve todos os remédios que você pode tomar. Tem Instituto glamuroso de "cuidados" com crianças que não quer brinquedos nos hambúrgueres, quer que todas as propagandas tenham crianças negras, e quase considera que qualquer brincadeira mais "assim" pode ser muito perigosa, etc.. Toda hora entra com um recurso contra, quer recortar e não colar, a ponto de ser chamado de "bruxa"por um órgão oficial, tão de saco cheio este ficou de receber toda hora representações pelo bem dos menininhos e menininhas deste país. E a tal Lei da Palmada? Cumprir a Lei Maria do Rosário que é bom...

Nem pense em fazer xixi na rua. Andar de boné qualquer hora, não vai demorar, será proibido, assim como óculos escuros. Mulher maquiada? Pode ser confundida. Pensaram em proibir garupa em moto (!). Usar jaleco fora dos hospitais é crime - quanto a lavar a mão, o que se leva nos sapatos, controles reais das atividades, condições? Nada. Fumar pode, mas desde que os cigarros sejam sem sabor. Chegaram a proibir as crianças de usar pulseiras coloridas, quando tinha virado uma moda. A Adriane Galisteu não pode falar da Xuxa, nem o Pânico pode mais imitar o Silvio Santos. Sobrou até para a coitada da babosa, Aloe Vera. Proibida.

Igrejas adoram proibir, como se Deus, coitado, nas costas de quem se jogam tantas culpas, estivesse preocupado com a roupa, jóias, batons e esmaltes coloridos de suas fiéis. Ou ainda, se Ele na Terra viesse, mandaria que não se tomassem vacinas fundamentais para conter surtos. Se deixar a coisa correr como está indo, vamos chegar a absurdos como a de um grupo islâmico, que proibiu tomates - sim, tomates. Os tomates seriam "cristãos". O pentelho baixinho do Irã não proibiu as gravatas? Fazem uma cruz. (Esse aí só mesmo com resmas de alho e balas de prata).

Achou pouco? Descobri que há um templo no interior de São Paulo que proibiu o uso da tecnologia USB! Você deve ter algum fiozinho desses por perto. Dá uma olhada. O pastor proibiu porque o símbolo do USB seria um "tridente, usado para torturar as almas que vão para o inferno", justificou. O Bluetooth? Liberado. É "azul e representa a cor dos olhos de Jesus Cristo". Não ria. É sério. E muito perigoso. É mais do que controle social, e pode virar ditadura e repressão que, lembremos, pode vir da esquerda e da direita, de cima e de baixo. De gente querendo te inundar do bem, mas te enchendo do atraso e retrocesso.

De censura já nem se fala. Toda hora aparece uma. De cultura. De cinema. De Artes. De costumes. Na imprensa. Tentativas de cercear a liberdade de expressão ultrapassam todos os limites. Coisas arrancadas de sites. Listas in e out, rol de atitudes politicamente corretas para o momento, plaquinhas levantadas, especialmente pela atual linha de governo estrelado. Como tão bem definiu o filósofo Denis Lerrer Rosenfield, um dos que mais têm alertado para o perigo: "Boa parte da administração petista está impregnada de ranço ideológico ultrapassado" (...)"os brasileiros têm muita pouca consciência sobre o que está acontecendo. Vistos de forma isolada, os atos regulatórios parecem inofensivos".

Os bons juristas também andam apavorados com as aberrações que vêm sendo perpetradas em nome, em nome... de quem, mesmo? Infelizmente há alguns que entram na onda do PROIBIDO e usam as suas poderosas canetas e as cadeiras onde sentam para fazer valer o que não respeitaremos nem por decreto. Nem por um ...voador, daqueles bem grandes.

Nunca é demais lembrar o Artigo XII da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Vale ainda lembrar-se de um dito do filósofo inglês John Locke (1632-1704), mesmo que ele tenha tido tantas contradições, como apoiar a escravidão: "Nenhum homem pode ser forçado a ser rico ou saudável contra a sua vontade".

Somos todos nós uns grandes poços de contradição. Mal ou bem, outro direito natural e privado. Privadíssimo.

São Paulo, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, 2012

Marli Gonçalves é jornalista- Antes que tudo fique muito chato, quer ter e ser o seu próprio controle remoto, para mudar o canal na hora que quiser. Sem ninguém mandar. Nem obrigar.

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